Porque as barragens são tão importantes e a polêmica envolvendo a maior delas em José Boiteux

Desde a colonização do Vale do Itajaí, Santa Catarina busca alternativas para conter as enchentes que assolam a região. E toda vez que se está diante da ameaça, um assunto volta ao centro das discussões: as barragens. Inauguradas ainda não década de 1970, duas delas: Ituporanga, no Rio Itajaí-Sul, e Taió, no Rio Itajaí-Oeste, se apresentaram como soluções para minimizar os efeitos das inundações na Bacia do Itajaí. No entanto, não foram suficientes para evitar as duas grandes enchentes: 1983 e 1984. Por isso, uma terceira barragem entrou em operação em 1992. A Barragem Norte, em José Boiteux, a maior delas e que represa as águas do Rio Hercílio. Porém, desde 2014 a barragem está envolvida em uma polêmica judicial entre indígenas e o governo do estado. Na época, os índios invadiram a barragem e destruíram toda a central de comando. Eles reivindicavam um estudo de impacto socioambiental, que nunca foi feito, e obras como a elevação de estradas, construção de uma ponte entre outras melhorias. Isso porque, segundo a Defesa Civil, quando a barragem entra em operação, oito comunidades indígenas ficam isoladas. Com as redes sociais “bombando” desde o começo da semana, vídeos começaram a circular mostrando o estado de abandono e depredação da central de comando da barragem (fotos abaixo).

A estrutura onde deveria funcionar a central de comando da Barragem Norte, em José Boiteux

As barragens não controlam somente um rio, mas, juntas, toda a bacia hidrográfica da região. Essas estruturas são fundamentais para mitigar os efeitos das enchentes, pois funcionam como verdadeiros escudos que protegem as cidades que ficam logo abaixo. São barreiras artificiais que fazem com que a água, em grande volume, seja armazenada numa gigantesca “bacia” enquanto a chuva cai em grandes volumes. As barragens geralmente possuem dispositivos como comportas ou válvulas, que permitem o controle do fluxo de água para dentro ou para fora do reservatório, além de canal extravasor.

Rio do Sul, no Alto Vale, é uma das cidades mais afetadas pelas cheias porque no município, o Rio Itajaí d´Oeste, se encontra com o Rio Itajaí do Sul para formar o Rio Itajaí-Açu. Como este não é muito largo, rapidamente invade ruas e casas.

Em aproximadamente 16 horas, a água que cobre Rio do Sul chega também a Blumenau e, consequentemente, a Gaspar. Por isso, as informações sobre a situação em Rio do Sul, incluindo o nível das barragens, desenham o cenário que se terá em Blumenau e cidades vizinhas, como Gaspar, embora as cotas de enchentes sejam diferentes para cada cidade.

Para operar as barragens são levadas em consideração a previsão de chuva para os dias seguintes, o nível do rio tanto abaixo quanto acima da barragem e a capacidade do reservatório. Tudo isso tem de estar equilibrado.

Barragem de Taió é hoje a quem disponibiliza a melhor estrutura ///FOTO PREFEITURA DE TAIÓ

Quando a chuva dá uma trégua e o rio começa a voltar ao seu leito normal, as comportas das barragens são gradativamente reabertas, para que a água corra livremente. Em época de estiagem, as comportas permanecem abertas.

O problema é quando o indicativo é de muita chuva, e essa é a previsão para as próximas 48 horas no Vale do Itajaí. As barragens rapidamente transbordam, sendo preciso abrir as comportas antes que a água passe por cima delas. O risco de rompimento da barragem existe e assusta os moradores próximos, mas, de acordo com o relatório de fiscalização da Agência Nacional de Águas (ANA), de 2017, as três barragens não têm classificação de risco alto, mas se a ruptura ocorrer os danos serão enormes por conta da localização próxima a áreas habitadas.

As três barragens do Vale, juntas, tem capacidade para reter quase 560 milhões de metros cúbicos de água, segundo o site da Defesa Civil. Somente a barragem de José Boiteux consegue reter 357 milhões de metros cúbicos de água, daí dá para calcular o prejuízo que a desativação dessa barragem pode provocar no caso de uma enchente. A estrutura de defesa contra as enchentes é bem menor do que a necessária, ou seja, os riscos da inundação atingir mais cidades e regiões são maiores.

Audiência

Vira e mexe, e as barragens viram tema de debate entre políticos e especialistas. No final do mês de junho deste ano, uma audiência pública foi realizada pela Comissão de Turismo e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, em Rio do Sul.

Participaram do debate, parlamentares, representantes do governo do Estado, da Associação dos Municípios do Alto Vale do Itajaí (Amavi), Associação dos Municípios do Vale Europeu (Amve), Defesa Civil do Estado, além de prefeituras municipais da região.

O objetivo foi tentar avançar em ações consideradas estratégicas para a mitigação das enchentes. “Temos projetos prontos para serem colocados em prática, como o canal extravasor de Salto Pilão, a remoção dos maciços, a limpeza, desassoreamento e contenção das margens dos rios, a construção de microbarragens que atendem reservatório de água, tanto para a contenção de cheias, quanto para períodos de estiagem. O governo sinaliza que vai ajudar, nós temos os projetos, e a população precisa destas obras”, afirmou, na época, o deputado Gerri Consoli (PSD), autor do pedido de audiência.

O deputado Napoleão Bernardes (PSD), que é de Blumenau, reforçou a necessidade de cobrar mais efetivamente do governo do estado por ações. “Temos que cobrar firme do Estado a manutenção do sistema de barragens e a continuidade do projeto da Agência Japonesa Jica, de inteligência, engenharia, combate e prevenção a desastres naturais. Este sistema de proteção deve ser ampliado para garantir a segurança e defesa da população”, alertou. A Jica foi uma parceria técnica e científica entre o governo de Santa Catarina e o governo japonês, após a tragédia climática de 2008, na elaboração de projetos para melhorar a defesa da região contra desastres naturais. Alguma coisa foi feita, porém, outras iniciativas ficaram pelo caminho.

O prefeito de Rio do Sul, José Thomé, que neste fim de semana está tendo muito trabalho, juntamente com sua equipe, acredita que a execução das obras previstas nos projetos vai melhorar a vida das pessoas, trazer mais tranquilidade, despertar mais interesse de investimentos privados, com a instalação de empresas e geração de empregos, importantes para o crescimento da região. “Precisamos sensibilizar esse novo governo estadual, tendo em vista que estas ações propostas, como o projeto Jica e a construção de novas barragens, são discutidas desde 2008. Temos problemas sérios de manutenção das barragens já existentes e a necessidade de fazermos o desassoreamento do rio. Esse momento é fundamental para que sociedade e poder público debatam e definam o que está previsto de fato, para acontecer ao longo dos próximos anos”.

Manutenção de barragens

O secretário de Estado da Defesa Civil, coronel Luiz Armando Schroeder Reis, informou, na ocasião da audiência, que seria feita a limpeza das estruturas e às ações de recuperação dos dutos das comportas da barragem de Ituporanga. Em seguida, o governo iria fazer a manutenção das comportas. O secretário reconheceu a necessidade de melhoramento das represas, mas explicou que os problemas existentes não impedem a sua operação. Segundo ele, a Defesa Civil tem realizado vistorias periódicas para garantir que as barragens estejam em operação.

Com relação à represa de José Boiteux, o secretário esclareceu, durante a audiência, que uma ação do Ministério Público de 2003 determinou que o Estado executasse diversas obras, como construção de estradas, escola, igrejas e moradias, para as comunidades indígenas que vivem no entorno. “Isso extrapola a atuação da Defesa Civil, por isso levei ao governador, e ele orientou o trabalho conjunto das secretarias para resolvermos este problema e darmos continuidade à recuperação da barragem, que está sem o mecanismo de controle”, revelou Reis.

De  acordo com o secretário, a operacionalização da barragem de José Boiteux é feita com caminhão, por meio de ligação hidráulica, o que apresenta risco. Segundo ele, o governo estava construindo um canal extravasor, mas no local foi encontrado um sítio arqueológico, por isso, o trabalho é mais delicado e demorado.

Há, ainda, o projeto para a construção de mais três barragens nos municípios de Petrolândia, Mirim Doce e Braço do Trombudo. No entanto, o coronel Armando explicou que os recursos eram oriundos do PAC 2 do governo Federal e hoje não existem mais. “Fomos buscar novamente a inclusão destes recursos para darmos sequência às obras. A construção das novas barragens estão entre as prioridades listadas pelo governador para a viabilização de recursos em Brasília. Temos vantagens de estarmos com os projetos e licenciamentos de Mirim Doce e Petrolândia prontos. De Braço do Trombudo, nós temos o projeto, e estamos em contato com o IMA para fazer o licenciamento ambiental, concluiu o secretário. Enquanto nada disso sai do papel, a população moradora do Alto Vale e Médio Vale do Itajaí olha para o céu, junta as mãos e reza para que as previsões para este fim de semana estejam equivocadas.

Barragem de Ituporanga /// FOTO PREFEITURA DE ITUPORANGA

Dados das barragens

Barragem Sul

Cidade: Ituporanga

Rio Itajaí-Sul

31 m vertedouro

– 100 milhões m3 de água armazenados

5 comportas (vazão 131 m3 /s)

1 canal extravasor (vazão 279 m3 /s)

Inaugurada em 1971

Barragem Oeste

Cidade: Taió

Rio Itajaí-Oeste

23 m de vertedouro

100 milhões de m3/s

7 comportas (vazão 157 m3/s)

1 canal extravasor (vazão 240 m3/s)

Inaugurada em 1976

Barragem Norte

Cidade: José Boiteux

Rio Hercílio

58,5 metros de vertedouro

2 comportas:

Capacidade: 357 milhões de metros cúbicos

Inaugurada em 1992

 

fonte :JORNAL METAS 

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